O Jardim de Alah que conheci

A memória nos prega peças como uma deusa grega, que escolhe que imagens devam ser lembradas e o que deve ser esquecido. Penso nisso quando me lembro do Jardim de Alah da minha infância. São as imagens mais antigas que vagueiam na minha memória.

Nasci ali perto, na Rua Barão da Torre, que desemboca no jardim. E desde bebê fui uma frequentadora permanente. Antes mesmo de aprender a andar aprendi a passear em carrinho puxado a bode, depois em cavalinhos. Estas são as imagens que me vêm à memória quando penso no Jardim de Alah. Ligando Ipanema ao Leblon, ligando o mar à Lagoa Rodrigo de Freitas, cercado de edifícios sem grades em volta, o Jardim era o passeio obrigatório de tantos que já moraram naquele ponto do bairro.

Hoje, o jardim está abandonado, como tantas outras praças da cidade do Rio de Janeiro. Sem crianças, sem cavalinhos, sem balanços, sem caminhos, sem flores. Quase sempre vazio. Sei que a crise é grande e não há verba suficiente para cuidar de todos os jardins com tanto esmero. Como se as flores devessem ser postas de lado na vida corrida de hoje. Não se tem mais tempo para esperar o pôr do sol, sentada num banco de jardim. Não há mais bancos. Eles não sobreviveram nem na minha memória.

Gostaria de pedir ao prefeito Eduardo Paes, que ama o Rio como eu, que não esquecesse nos seus planos para a cidade das praças e jardins. como o Passeio Público. Hoje o silêncio vagueia sobre os recantos que já foram os mais bonitos do Rio. Que tal programar feirinhas, movimentos de bairros, encontros de crianças, não só para o Jardim de Allah como para outras praças? Trazer de volta os bancos de pedra onde todos gostam de se sentar. Trazer brinquedos, balanços, pistas para bicicletas. Que as flores voltem às praças. Que a vida que sobrevive na minha memória seja restituída ao Rio.

Por Célia Ladeira.

  • Célia Ladeira é jornalista e Pesquisadora associada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da UnB.
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4 comentários

  1. Lindo artigo escrito pela minha mãe Celia Ladeira para o site Olhos de Ver RJ. Voltamos juntos ao passado com a sua memória de sua infância vivida no Jardim de Alah!

  2. Lindo texto, cheio de imagens e lembranças que nos fazem viajar no tempo e desejar que as gerações atuais ainda possam usufruir do espaço público com paz e segurança! Ótimas colocações acerca da necessidade do cuidado com as praças e jardins da Cidade do Rio de Janeiro para que finalmente saiam do abandono em que se encontram! ❤️

  3. Os movimentos e tentativas de revitalização, ao que parece, não têm tido êxito e um espaço tão privilegiado como esse fica desperdiçado. Uma pena! Fotos incríveis e texto comovente! Artigo excelente!

  4. A autoria de Célia Ladeira, por si só, é garantia de força, qualidade da informação e capaz de nos
    Levar a um passeio pelo tempo, e despertar nos leitores os melhores sentimentos. Falar das suas lembranças da infância no Leblon, um doce momento de saudade.
    Celia é modelo de competência e simplicidade, uma forma muito pessoal de falar e abordar qualquer tipo de assunto.
    Acho tudo que ela produz uma beleza. Ela é uma jornalista nota dez.

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