Localizada no bairro da Saúde, Zona Portuária do Rio de Janeiro, no sopé do Morro da Conceição (próximo à Praça Mauá), a Pedra do Sal é considerada um monumento às tradições afro-brasileiras, como o samba, a capoeira, o partido alto e o candomblé.
O local é chamado também de “testemunho da africanidade”, já que, no passado, aquela região afastada do núcleo central da cidade, foi o ponto de desembarque dos negros africanos no Rio de Janeiro e, mais tarde, onde os negros baianos escolheram viver.
Neste artigo vamos conhecer um pouco da história da rocha à beira-mar que acabou se tornando um dos símbolos da herança cultural da africanidade no Brasil.
O Valongo e a Praia da Prainha
No final do século XVIII, parte da área hoje chamada de Zona Portuária era conhecida como Valongo e englobava os atuais bairros da Gamboa e Saúde. A futura zona portuária carioca constituía-se então de uma estreita faixa de terra espremida entre a Baía de Guanabara e uma série de pequenos morros, que praticamente isolavam a região do núcleo urbano.
O afastamento fez com que aquele ponto da cidade fosse pouco habitado até o século XIX. Segundo Brasil Gerson, tratava-se de uma “zona de pescadores, onde depois se concentraria o comércio de importação e exportação do Rio de Janeiro”.
Por ser bastante acidentado, aquele trecho do litoral proporcionava bons ancoradouros no fundo dos seus sacos e enseadas, o que favoreceu o desenvolvimento de atividades ligadas à navegação e ao comércio.
Na área conhecida como Valonguinho localizava-se a Praia da Prainha, marcada pela existência de uma grande pedra à beira-mar, anteriormente denominada Quebra-Bunda.
Retratada pelo pintor Thomas Ender em 1817, a Pedra da Prainha foi quase que inteiramente destruída ao longo dos séculos. O que restou dela é a Pedra do Sal, hoje bastante afastada do mar após sucessivos aterros.
A Pedra da Prainha e o Desembarque do Sal
Trata-se de uma formação de granito na qual foram esculpidas escadas que levam para o Morro da Conceição. A antiga Pedra da Prainha (depois Pedra do Sal) é formada por gnaisse facoidal, chamada de “a mais carioca das rochas” por se encontrar em vários monumentos naturais e históricos da cidade, como o Morro do Pão de Açúcar.
Em 1774, o mercado de escravizados foi transferido da Rua Direita (atual Primeiro de Março) para a zona do Valongo, sendo instalado em armazéns ao longo da Rua do Valongo (atual Camerino). Com a transferência do tráfico de escravizados para aquele local, as atividades portuárias também se deslocaram para aquela região.
Na antiga Pedra da Prainha, os escravizados africanos desembarcavam o sal importado de Portugal. Daí a designação do produto para a rocha. A partir de então, aquela localidade passou a concentrar uma expressiva população de negros.
A Pedra do Sal: Berço da Religiosidade e do Samba
A Pedra do Sal e toda a chamada “Pequena África” no Rio de Janeiro são apontados como espaços de religiosidade, festa e luta.
Nesse espaço eram realizadas cerimônias religiosas seguidas de animadas rodas de samba. Foi daquela região que saíram grandes nomes do samba e da MPB, como Donga, Pixinguinha, João da Baiana, Sinhô, Heitor dos Prazeres e Hilário Jovino Ferreira.
Em todo aquele território moravam também as famosas “tias”, mulheres negras baianas que mudaram-se para o Rio de Janeiro nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX, onde trabalhavam vendendo quitutes nas ruas. Segundo a historiadora Angélica Ferrarez de Almeida, as tias “eram lideranças religiosas e culturais de suas comunidades“.
Nomes como Tia Bebiana, Tia Perciliana (mãe de João da Baiana), Tia Amélia (mãe de Donga) e, principalmente, Hilária Batista de Almeida, a famosa Tia Ciata, cujo primeiro endereço no Rio foi o Beco João Inácio, na Pedra do Sal, tornaram-se as matriarcas do samba.
Mais tarde, a casa da Tia Ciata, na Praça Onze, seria considerada a capital da Pequena África no Rio e o berço do samba carioca.
Patrimônio Cultural Imaterial do Rio de Janeiro
A Pedra do Sal foi tombada como patrimônio pelo governo do estado por meio do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – INEPAC, em 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, de 1984.
No parecer que consubstanciou o tombamento, o historiador Joel Rufino dos Santos deu a dimensão da importância do local para os moradores, informando que dali eles “saudavam os navios que chegavam da Bahia com familiares e amigos. A Pedra do Sal era, para migrantes, o que é hoje o Cristo Redentor para os recém-chegados ao Rio: O primeiro abraço e o primeiro sentimento da cidade”.
Em 2018, foi publicado no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro o decreto que determinou o registro do Quilombo Pedra do Sal como Bem Cultural de Natureza Imaterial da cidade, local de memória da história da resistência e herança cultural de africanos no Brasil.
A localidade abriga a Comunidade de Remanescentes de Quilombos da Pedra do Sal, que classifica o espaço como um importante quilombo urbano da cidade.
Rodas de Samba
A Pedra do Sal foi revitalizada nos últimos anos com as disputadas rodas de samba que ali acontecem. A roda realizada na Pedra é considerada uma das melhores da cidade.
Redescoberto pela população, o bairro da Saúde foi, em 2021, escolhido pelo guia Time Out Londres como um dos mais interessantes e descolados do mundo. A publicação destacou as ruas de paralelepípedos e os becos do bairro histórico, afirmando que “os visitantes irão descobrir charmosos bares antigos, bela arquitetura portuguesa e locais fascinantes, como a Pedra do Sal”.
Localização:
Rua Argemiro Bulcão, Saúde – Zona Portuária – Rio de Janeiro.
Veja mais fotos da Pedra do Sal:
Texto e Pesquisa: Leo Ladeira
Fotos: Alexandre Siqueira e Leo Ladeira
Foto Roda de Samba:
https://freewalkertours.com/pt-br
Fontes de Consulta:
- Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. Roberto Moura, 1995. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.
- Enciclopédia da Música Brasileira – Art Editora PubliFolha; História do Samba – Editora Globo.
- A Música Brasileira deste Século por seus Autores e Intérpretes, BOTEZELLI, José Carlos – Pelão & PEREIRA, Arley. (Org.) 2000.
- Histórias da Vida e da Saúde. Viktor Chagas, 2005.
- O Gnaisse Facoidal: a mais Carioca das Rochas. Kátia Leite Mansur; Ismar de Souza Carvalho; Carlos Fernando Moura Delphim & Emilio Velloso Barroso. Anuário do Instituto de Geociências – UFRJ. Vol. 31 – 2 / 2008.
- Arquivos INEPAC.
- Blog Literatura e Rio de Janeiro – por Ivo Korytowski.
- “A tradição das tias na formação do samba do Rio de Janeiro” – Angélica Ferrarez de Almeida – Portal Notícia Preta
- Pagina oficial da Roda de Samba da Pedra do Sal.
Excelente trabalho de pesquisa, Leo 👏🏻👏🏻👏🏻 Parabéns pelo artigo, ricamente ilustrado também. Registro histórico super importante!
Amei a pesquisa interessante muito bom pra manter viva a memória de pessoas que importantes pra nossa cultura.
Muito obrigado, Luiz Carlos!!! Prezamos muito pelo nosso patrimônio historico-cultural e por nossa memória!
Excelente matéria, parabéns! Não sou do Rio de Janeiro, mas gosto de ler tudo que faz referência ao meu querido Brasil!