Pedra do Sal: Monumento às Tradições Afro-Brasileiras

Localizada no bairro da Saúde, Zona Portuária do Rio de Janeiro, no sopé do Morro da Conceição (próximo à Praça Mauá), a Pedra do Sal é considerada um monumento às tradições afro-brasileiras, como o samba, a capoeira, o partido alto e o candomblé.

O local é chamado também de “testemunho da africanidade”, já que, no passado, aquela região afastada do núcleo central da cidade, foi o ponto de desembarque dos negros africanos no Rio de Janeiro e, mais tarde, onde os negros baianos escolheram viver.

Neste artigo vamos conhecer um pouco da história da rocha à beira-mar que acabou se tornando um dos símbolos da herança cultural da africanidade no Brasil.

A Pedra da Prainha (depois do Sal) em1608 na ilustração do artista gráfico Guta

O Valongo e a Praia da Prainha

No final do século XVIII, parte da área hoje chamada de Zona Portuária era conhecida como Valongo e englobava os atuais bairros da Gamboa e Saúde. A futura zona portuária carioca constituía-se então de uma estreita faixa de terra espremida entre a Baía de Guanabara e uma série de pequenos morros, que praticamente isolavam a região do núcleo urbano.

O afastamento fez com que aquele ponto da cidade fosse pouco habitado até o século XIX. Segundo Brasil Gerson, tratava-se de uma “zona de pescadores, onde depois se concentraria o comércio de importação e exportação do Rio de Janeiro”.

Por ser bastante acidentado, aquele trecho do litoral proporcionava bons ancoradouros no fundo dos seus sacos e enseadas, o que favoreceu o desenvolvimento de atividades ligadas à navegação e ao comércio.

Na área conhecida como Valonguinho localizava-se a Praia da Prainha, marcada pela existência de uma grande pedra à beira-mar, anteriormente denominada Quebra-Bunda.

Retratada pelo pintor Thomas Ender em 1817, a Pedra da Prainha foi quase que inteiramente destruída ao longo dos séculos. O que restou dela é a Pedra do Sal, hoje bastante afastada do mar após sucessivos aterros.

Aquarela de Thomas Ender, 1817, intitulada “Cercanias de Val-Longo”. Em primeiro plano, a grande pedra da Prainha, parcialmente derrubada poucos anos depois; e, mais adiante o pontal do Valongo.

A Pedra da Prainha e o Desembarque do Sal

Trata-se de uma formação de granito na qual foram esculpidas escadas que levam para o Morro da Conceição. A antiga Pedra da Prainha (depois Pedra do Sal) é formada por gnaisse facoidal, chamada de “a mais carioca das rochas” por se encontrar em vários monumentos naturais e históricos da cidade, como o Morro do Pão de Açúcar.

Vista da Pedra da Prainha Thomas Ender ,1817

Em 1774, o mercado de escravizados foi transferido da Rua Direita (atual Primeiro de Março) para a zona do Valongo, sendo instalado em armazéns ao longo da Rua do Valongo (atual Camerino). Com a transferência do tráfico de escravizados para aquele local, as atividades portuárias também se deslocaram para aquela região.

Na antiga Pedra da Prainha, os escravizados africanos desembarcavam o sal importado de Portugal. Daí a designação do produto para a rocha. A partir de então, aquela localidade passou a concentrar uma expressiva população de negros.

A Pedra do Sal: Berço da Religiosidade e do Samba

João da Baiana e Jota Efegê nas escadas da Pedra do Sal

A Pedra do Sal e toda a chamada “Pequena África” no Rio de Janeiro são apontados como espaços de religiosidade, festa e luta.

Nesse espaço eram realizadas cerimônias religiosas seguidas de animadas rodas de samba. Foi daquela região que saíram grandes nomes do samba e da MPB, como Donga, Pixinguinha, João da Baiana, Sinhô, Heitor dos Prazeres e Hilário Jovino Ferreira.

Em todo aquele território moravam também as famosas “tias”, mulheres negras baianas que mudaram-se para o Rio de Janeiro nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX, onde trabalhavam vendendo quitutes nas ruas. Segundo a historiadora Angélica Ferrarez de Almeida, as tias “eram lideranças religiosas e culturais de suas comunidades“.

A famosa Tia Ciata

Nomes como Tia Bebiana, Tia Perciliana (mãe de João da Baiana), Tia Amélia (mãe de Donga) e, principalmente, Hilária Batista de Almeida, a famosa Tia Ciata, cujo primeiro endereço no Rio foi o Beco João Inácio, na Pedra do Sal, tornaram-se as matriarcas do samba.

Mais tarde, a casa da Tia Ciata, na Praça Onze, seria considerada a capital da Pequena África no Rio e o berço do samba carioca.

Patrimônio Cultural Imaterial do Rio de Janeiro

A Pedra do Sal foi tombada como patrimônio pelo governo do estado por meio do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – INEPAC, em 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, de 1984.

No parecer que consubstanciou o tombamento, o historiador Joel Rufino dos Santos deu a dimensão da importância do local para os moradores, informando que dali eles “saudavam os navios que chegavam da Bahia com familiares e amigos. A Pedra do Sal era, para migrantes, o que é hoje o Cristo Redentor para os recém-chegados ao Rio: O primeiro abraço e o primeiro sentimento da cidade”.

Em 2018, foi publicado no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro o decreto que determinou o registro do Quilombo Pedra do Sal como Bem Cultural de Natureza Imaterial da cidade, local de memória da história da resistência e herança cultural de africanos no Brasil.

A localidade abriga a Comunidade de Remanescentes de Quilombos da Pedra do Sal, que classifica o espaço como um importante quilombo urbano da cidade.

Rodas de Samba

Roda de samba na Pedra do Sal

A Pedra do Sal foi revitalizada nos últimos anos com as disputadas rodas de samba que ali acontecem. A roda realizada na Pedra é considerada uma das melhores da cidade.

Redescoberto pela população, o bairro da Saúde foi, em 2021, escolhido pelo guia Time Out Londres como um dos mais interessantes e descolados do mundo. A publicação destacou as ruas de paralelepípedos e os becos do bairro histórico, afirmando que “os visitantes irão descobrir charmosos bares antigos, bela arquitetura portuguesa e locais fascinantes, como a Pedra do Sal”.

Localização:
Rua Argemiro Bulcão, Saúde – Zona Portuária – Rio de Janeiro.

Veja mais fotos da Pedra do Sal:

Detalhe da Pedra da Prainha na planta do Rio de Janeiro em 1817
Quilombo da Pedra do Sal
Pedra do Sal vista em 1817 na pintura de Guta
Tias baianas
As escadas esculpidas na rocha
Pedra do Sal: local de memória da herança cultural de africanos no Brasil
Pedra do Sal formada por gnaisse facoidal
Monumento às tradições afro-brasileiras
Pedra do Sal: testemunho da africanidade
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Texto e Pesquisa: Leo Ladeira
Fotos: Alexandre Siqueira e Leo Ladeira

Foto Roda de Samba:
https://freewalkertours.com/pt-br

Fontes de Consulta:

  • Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. Roberto Moura, 1995. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.
  • Enciclopédia da Música Brasileira – Art Editora PubliFolha; História do Samba – Editora Globo.
  • A Música Brasileira deste Século por seus Autores e Intérpretes, BOTEZELLI, José Carlos – Pelão & PEREIRA, Arley. (Org.) 2000.
  • Histórias da Vida e da Saúde. Viktor Chagas, 2005.
  • O Gnaisse Facoidal: a mais Carioca das Rochas. Kátia Leite Mansur; Ismar de Souza Carvalho; Carlos Fernando Moura Delphim & Emilio Velloso Barroso. Anuário do Instituto de Geociências – UFRJ. Vol. 31 – 2 / 2008.
  • Arquivos INEPAC.
  • Blog Literatura e Rio de Janeiro – por Ivo Korytowski.
  • “A tradição das tias na formação do samba do Rio de Janeiro” – Angélica Ferrarez de Almeida – Portal Notícia Preta
  • Pagina oficial da Roda de Samba da Pedra do Sal.
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3 comentários

  1. Excelente trabalho de pesquisa, Leo 👏🏻👏🏻👏🏻 Parabéns pelo artigo, ricamente ilustrado também. Registro histórico super importante!

  2. Amei a pesquisa interessante muito bom pra manter viva a memória de pessoas que importantes pra nossa cultura.

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